Um missionário entre os Antropófagos
(1824 – 1907)
Perto de Dalswinton, na Escócia, morava um casal conhecidos em toda a região como os velhos Adão e Eva. A esse lar veio em visita um sobrinha, Janete Rogerson. Supunha-se que não houvesse muita coisa na casa isolada dos velhos para distrair a jovem, sempre viva e alegre. Mas uma coisa atraiu-lhe o interesse: um rapaz chamado Tiago Paton, que entrava, dia após dia, no matagal perto da casa. Levava sempre um livro na mão, como se ali fosse para estudar e meditar.
Certo dia, a moça, vencida pela curiosidade, entrou furtivamente por entre as árvores e espiou o rapaz recitando os Sonetos Evangélicos, de Erskine. A sua curiosidade tornou-se uma santa admiração quando o jovem, deixando o chapéu no chão, ajoelhou-se debaixo duma árvore para derramar a alma em oração perante Deus. Ela, espírito de brincalhona, avançou e pendurou o chapéu em um galho que estava próximo. Em seguida escondeu-se onde podia, sem ser vista, para presenciar o rapaz perplexo, a procurar o chapéu. No dia seguinte, a cena se repetiu. Mas o coração da moça comoveu-se ao ver a perturbação do rapaz, imóvel por alguns minutos com o chapéu na mão. Foi assim que ele, ao voltar no dia seguinte ao lugar onde se ajoelhava diariamente, achou, preso na árvore, um cartão que continha os seguintes dizeres: “A pessoa que escondeu seu chapéu confessa-se sinceramente arrependida de tê-lo feito e pede que ore, rogando a Deus que a torne crente tão sincera como o senhor”.
O jovem fitou por algum tempo o cartão, esquecendo-se completamente naquele dia dos sonetos. Por fim, tirou o cartão da árvore. No momento em que se reprovava e à sua estupidez por não saber que fora um ser humano quem escondera o chapéu duas vezes, viu passar, por entre as árvores, na frente da casa do velho Adão, uma moça, balde na mão, cantando um hino escocês.
Naquele instante, o moço sabia, por instinto divino, que a visita angélica que invadira seu retiro de oração fora a gentil e hábil sobrinha dos velhos Adão e Eva. Tiago Paton ainda não conhecia Janete Rogerson, mas ouvira falar nas suas extraordinárias qualificações intelectuais e espirituais.
É provável que Tiago Paton começasse a orar pela jovem, mas num sentido diferente daquele que ela pedira. De qualquer forma, a moça furtara não somente o chapéu do rapaz, mas também o seu leal coração – um furto que resultou, por fim, no casamento dos dois. Tiago Paton, fabricante de meias no condado de Dunfries, e sua esposa Janete, andavam, como Zacarias e Isabel na antiguidade, irrepreensíveis perante o Senhor. Ao nascer-lhes o primogênito, deram-lhe o nome de João, dedicando-o solenemente a Deus, com oração, para ser missionário aos povos que não tinham oportunidade de conhecer a Cristo. Entre a casa própria em que morava a família dos Paton e a parte que servia de fábrica havia um pequeno aposento.
Acerca desse quarto, João Paton escreveu: “era o santuário de nossa humilde casa. Várias vezes ao dia, geralmente depois das refeições, o nosso pai entrava nesse quarto e, “fechada a porta”, orava. Nós, seus filhos, compreendíamos, como se fosse por instinto espiritual, que se derramavam orações por nós, como fazia na antiguidade o sumo sacerdote, quando entrava no Santo dos Santos, em favor do povo. De vez em quando se ouvia o eco duma voz em tons de quem suplica pela vida; passávamos pela porta nas pontinhas dos pés, de modo a não perturbar a santa e intima conversação. O mundo lá fora não sabia de onde vinha o gozo que brilhava no rosto de nosso pai, mas nós, seus filhos, o sabíamos: era o reflexo da presença divina, que era sempre uma realidade para ele na vida cotidiana.
Nunca espero, quer num templo, quer nas serras, quer nos vales, sentir Deus mais perto, mas visível, andando e conversando mais intimamente com os homens do que naquela humilde casa coberta de palha. Se, por uma catástrofe indizível, tudo quanto pertence à religião fosse apagado da memória, minha alma reverteria de novo ao tempo da minha mocidade: ela fechar-se-ia naquele santuário e, ao ouvir novamente os ecos daquelas súplicas a Deus, lançaria para longe todo a duvida com este grito vitorioso: Meu pai andava com Deus; por que não posso eu também andar?”
Na autobiografia de João Paton, vê se que as suas lutas diárias eram grandes. Mas o que lemos abaixo revela qual a força que operava para que ele sempre avançasse na obra de Deus.
“Antes, realizava-se culto domestico na casa de meus avós somente aos domingos, mas meu pai convenceu primeiro a minha avó a orar, ler um trecho da bíblia e cantar um hino diariamente, pela manhã e à noite; depois todos os membros da família seguiram esse costume. Foi assim que meu pai começou, aos 17 anos de idade, o bendito costume de fazer cultos matutinos e vespertinos em casa; costume que observou, talvez sem uma única exceção, até se achar no leito de morte, com 77 anos de idade. No último dia da sua vida, uma passagem das Escrituras foi lida, e ouvindo-se a sua voz na oração".
Nenhum dos filhos se recorda de um só dia que não fosse assim santificado. Muitas das vezes avia pressa em atender a um negócio; inúmeras vezes chegavam os amigos. Mas nada impedia que nos ajoelhássemos em redor do altar familiar, enquanto o “sumo sacerdote” dirigia as nossas orações a Deus e se oferecia a si mesmo e a seus filhos ao mesmo Senhor. A luz de tal exemplo era uma benção, tanto para o próximo, como para a nossa família. Muitos anos depois, contaram-me que a mais depravada mulher da vila, uma mulher da rua, declarou que a única coisa que evitou o seu suicídio foi que, numa noite escura, perto da janela da casa de meu pai, ouviu-o implorando, no culto doméstico, que Deus convertesse “o ímpio do erro do seu caminho e o fizesse luzir como uma jóia na coroa do Redentor”. “Vi”, disse ela, “como era um grande peso sobre o coração desse bom homem e sabia que Deus responderia à sua súplica. Foi por causa dessa certeza que não entrei no inferno e que achei o único Salvador”. Por meio desse ocorrido, a mulher foi salva e transformada pela graça divina”.
Não é de admirar que, em tal ambiente, três dos onze filhos de Tiago Paton – João, Valter e Tiago – fossem constrangidos a dar suas vidas à obra mais gloriosa, a de ganhar almas. Não julgamos estar esse ponto completo sem lhe acrescentar mais um trecho dessa autobiografia:
“Até que ponto fui impressionado nesse tempo pelas orações de meu pai, não posso dizer, nem ninguém pode compreender. Quando de joelhos, e todos nós ajoelhamos em redor dele no culto doméstico, ele derramava toda a sua alma em oração, com lágrimas – não só por todas as necessidades pessoais e domésticas, mas também pela conversão da parte do mundo onde não havia pregadores para servirem a Jesus -, sentíamo-nos na presença do Salvador vivo e chegamos a conhecê-lo e a amá-lo como nosso Amigo divino. Ao levantarmo-nos da oração, costumava olhar para a luz do rosto do meu pai e cobiçava o mesmo espírito; anelava, em resposta às suas orações, a oportunidade de me preparar e sair, levando o bendito Evangelho a uma parte do mundo então sem missionários”.
Acerca da disciplina do lar, eis o que ele escreveu:
“Se houvesse algo realmente sério para corrigir, meu pai se retirava primeiramente para o quarto de oração e nós compreendíamos que ele levava o caso a Deus. Essa era a parte mais severa do castigo para mim! Eu estava pronto a encarar qualquer penalidade, mas o que ele fazia penetrava na minha consciência como uma mensagem de Deus. Amávamos ainda mais o nosso pai ao ver o quanto tinha de sofrer para nos castigar, e, de fato, tinha muito pouco a nos castigar, pois dirigia a todos nós, onze filhos, muito mais pelo amor do que pelo temor”.
Por fim chegou o dia em que João tinha que deixar o lar paterno. Sem o dinheiro para passagem e com tudo o que possuía, inclusive uma Bíblia embrulhada num lenço, saiu a pé para trabalhar e estudar em Glasgow. O pai o acompanhou até uma distancia de nove quilômetros. No último quilômetro, antes de se separarem um do outro, os dois caminhavam sem poder falar uma palavra, mas o filho sabia, pelo movimento dos lábios do pai, que este orava em seu coração por ele. Chegando ao lugar combinado onde se separariam, o pai balbuciou: “Deus te abençoe, meu filho! O Deus de teu pai te prospere e te guarde de todo o mal”. Depois de se abraçarem, o filho saiu correndo, enquanto o pai, em pé no meio da estrada, imóvel, com o chapéu na mão e lágrimas correndo pelas faces, continuava a orar em seu coração. Alguns anos depois, o filho testificou de que essa cena, gravada da sua alma, o estimulava como um fogo inextinguível a não desapontar o pai no que esperava dele, seu filho, que seguisse o seu bendito exemplo de andar com Deus.
Durante os três anos de estudos em Glasgow, apesar de trabalhar com as próprias mãos para se sustentar, João Paton, no gozo do Espírito Santo, fez uma grande obra na seara do Senhor. Contudo, soava-lhe constantemente aos ouvidos o clamor dos selvagens nas ilhas do Pacifico e isso foi, antes de tudo, o assunto que ocupava as suas meditações e orações diárias. Havia outros para continuar a obra que fazia em Glasgow, mas quem desejava levar o Evangelho a esses pobres bárbaros?
Ao declarar sua resolução de trabalhar entre os canibais das Novas Hébridas, quase todos os membros da sua igreja se opuseram à sua saída. Um muito estimado irmão assim se exprimiu: “Entre os antropófagos! Será comido por eles!” A isso João Paton respondeu: “O irmão é muito mais velho que eu, breve será sepultado e comido por vermes. Declaro ao irmão que, se eu conseguir viver e morrer servindo ao Senhor Jesus e honrando o seu nome, não me importarei ser comido por antropófagos ou por vermes. No grande dia da ressurreição, o meu corpo se levantará tão belo como o seu, na semelhança do Redentor ressuscitado”.
De fato, as Novas Hébridas haviam sido batizadas com sangue de mártires. Os dois missionários, William e Harris, enviados para evangelizar essas ilhas, poucos anos antes desse tempo, foram mortos a cacetadas, e seus cadáveres cozidos e comidos. “Os pobres selvagens não sabiam que assassinavam seus amigos mais fieis; assim, os crentes em todos os lugares, ao receberem as notícias do martírio dos dois, oraram com lagrimas por esses povos”.
E Deus ouviu as súplicas, chamando, entre outros, a João Paton. Mas a oposição a sua saída era tal, que ele resolveu escrever a seus pais e, pela resposta, veio a saber que eles o haviam dedicado para tal serviço no dia do seu nascimento. Desde esse momento, João Paton não mais duvidou da vontade de Deus, e assentou no seu coração gastar a vida servindo aos indígenas das ilhas do Pacífico.
O nosso herói conta muitas coisas de interesse a acerca da longa viagem à vela para as Novas Hébridas. Quase no fim da viagem, quebrou-se o mastro do navio. As águas os levavam lentamente para Tana, uma ilha de antropófagos, onde a bagagem teria sido saqueada e todos a bordo cozidos. Contudo, Deus ouviu suas suplicas e os fizeram alcançar uma outra ilha. Alguns meses depois, foram à mesma ilha de Tana, onde conseguiram comprar o terreno dos silvícolas e edificar uma casa. Comove o coração ler que construíram a casa sobre os mesmos alicerces lançados pelo missionário Turner, quinze anos antes, o qual teve de fugir da ilha para escapar de ser morto e comido pelos selvagens.
Acerca da sua primeira impressão sobre o povo, Paton escreveu:
“Fui levado ao maior desespero. Ao vê-los na sua nudez e miséria, senti tanto horror como compaixão. Eu tinha deixado a obra entre os amados irmãos em Glasgow, obra em que sentia muito gozo, para dedicar-me a criaturas tão degeneradas. Perguntei-me a mim mesmo: É possível ensiná-las a distinguir entre o bem e o mal, e levá-los a Cristo, ou mesmo a civilizá-lás? Mas tudo isso eram apenas sentimentos passageiros. Logo senti um desejo tão profundo de levá-los ao conhecimento e amor de Jesus, como jamais quando trabalhava em Glasgow”.
Antes de completar a casa em que o casal Paton iria morar, houve uma batalha entre duas tribos. As mulheres e crianças fugiram para a praia, onde conversavam e riam ruidosamente, como se seus pais e irmãos estivessem ocupados em algum trabalho pacífico. Mas enquanto os selvagens gritavam e se empenhavam em conflitos sangrentos, os missionários entregavam-se à oração por eles. Os cadáveres dos mortos foram levados pelos vencedores a uma fonte de água fervente, onde foram cozidos e comidos. Á noite ainda se ouvia pranto e gritos prolongados nas vilas em redor. Os missionários foram informados de que um guerreiro, ferido na batalha, acabara de morrer em casa. A sua viúva foi estrangulada imediatamente, conforme o costume, para que seu espírito acompanhasse o do marido e lhe continuasse a servir de escrava.`
Os missionários, então, nesse ambiente da mais repugnante superstição, da mais baixa crueldade e da mais flagrante imoralidade, esforçavam-se para aprender a usar a todas as palavras possíveis desse povo que não conhecia a escrita. Anelavam falar de Jesus e do amor de Deus a esses seres que adoravam árvores, pedras, fontes, riachos, insetos, espíritos dos homens falecidos, relíquias de cabelos e unhas, astros, vulcões, etc. A esposa de Paton era uma ajudadora esforçada e, dentro de poucas semanas, reuniu oito mulheres da ilha a quem instruía diariamente. Três meses depois da chegada dos missionários à ilha, a esposa de Paton faleceu de malária e, um mês depois, o filhinho também morreu.
Quem pode avaliar as saudades de Paton durante os anos que trabalhou sem ajudadora em Tana? Apesar de quase haver morrido também da mesma enfermidade, de os crentes insistirem para que voltasse à sua terra, e de os indígenas fazerem plano após plano de matá-lo, esse herói permaneceu orando e trabalhando fielmente no posto onde Deus o colocara. Um templo foi construído e um bom número se congregava para ouvir a mensagem divina. Paton não somente conseguiu reduzir a língua dos tanianos à forma escrita, mas também traduziu uma parte das Escrituras, a qual imprimiu, apesar de não conhecer a arte tipográfica. Acerca da gloriosa façanha de imprimir o livro em taniano, assim escreveu:
“Confesso que gritei de alegria quando a primeira folha sai do prelo, tendo todas as páginas na ordem própria. Era uma hora da madrugada, eu era o único homem branco na ilha e havia horas em que todos os nativos dormiam. Contudo, atirei ao ar o chapéu e dancei como um menino, por algum tempo, ao redor do prelo.
Terei eu perdido a razão? Não devia, como missionário, estar de joelhos louvando a Deus por mais esta prova de sua graça? Crede, amigos, o meu culto foi tão sincero como o de Davi, quando dançou diante da arca do seu Deus! Não deveis pensar que, depois de pronta a primeira página, eu não me tivesse ajoelhado pedindo ao Todo-Poderoso que propagasse a luz e a alegria do seu Santo Livro nos corações entenebrecidos dos habitantes daquela terra inculta”.
Depois de Paton haver passado três anos em Tana, o casal de missionários que vivia na ilha vizinha, Erromanga, foi martirizado barbaramente a machadadas, em pleno dia. Ao completar quatro anos de estada em Tana, o ódio dos indígenas dessa ilha chegou ao auge. Diversas tribos combinaram matar o “indefeso” missionário e findar, assim, com a religião do Deus de amor, em toda a ilha. Contudo, como ele mesmo se declarava “imortal até findar sua obra na terra”, evitava, em pleno campo, os inúmeros golpes de lanças, machadinhas e cacetes, armados pelas mãos dos indígenas. E assim conseguiu escapar para a ilha de Aneitium.
Planejou então ocupar-se na obra de tradução do resto dos evangelhos na língua taniana, enquanto esperava a oportunidade de voltar a Tana. Porém, sentiu-se dirigido a aceitar a chamada para ir à Austrália. Em poucos meses, animou as igrejas ali a comprarem um navio a vela para servir aos missionários. Despertou-as, também, a contribuírem liberalmente e a enviarem mais missionários a evangelizar todas as ilhas.
Acerca da sua viagem à Escócia, depois de alguns anos nas Novas Hébridas, ele escreveu:
“Fui de trem a Dunfries e lá achei condução para o querido lar paterno, onde fui acolhido com muitas lagrimas. Havia somente cinco curtíssimos anos que saíra desse santuário com a minha jovem esposa, e agora, ai de mim! Mãe e filhinho jazem no túmulo, em Tana, nos braços um do outro, até o dia da ressurreição... Não foi com menos gozo, apesar de sentir-me angustiado, que, poucos dias depois, encontrei-me com os pais da minha querida falecida esposa”.
Antes de deixar a Escócia para nova viagem, Paton casou-se com a irmã de outro missionário. Chamada por Deus a trabalhar entre os povos mergulhados nas trevas das Novas Hébridas, ela serviu como fiel companheira de seu marido por muitos anos.
“Meu último ato na Escócia foi ajoelhar-me no lar paterno, durante o culto doméstico, enquanto meu venerado pai, como sacerdote, de cabelos brancos, nos entregava, uma vez mais, “aos cuidados e proteção de Deus, Senhor das famílias de Israel”. Eu tinha por certo, quando nos levantamos da oração e nos despedimos uns dos outro, que não encontraríamos com eles antes do dia da ressurreição. Porém, ele e minha querida mãe, com corações alegres, nos ofertaram de novo ao Senhor para o seu serviço entre os silvícolas. Mais tarde, meu querido irmão me escreveu que a “espada” que traspassara a alma da minha mãe era demasiado aguda e que, depois da nossa saída, ela jazeu por muito tempo como morta, nos braços de meu pai”.
Prestes a regressar as ilhas, Paton foi constrangido pelo voto de todos os missionários a não voltar a Tana, mas abrir a obra na vizinha ilha de Aniwa. Dessa forma, tinha de aprender outra língua e começar tudo de novo. Na tarefa de preparar o terreno para a construção da casa em seu novo habitat, Paton ajuntou dois cestos de ossos humanos de vitimas comidas pelo povo da ilha!
“Quando essas pobres criaturas começavam a usar um pedacinho de chita, ou um saiote, era sinal exterior de uma transformação, apesar de estarem longe da civilização. E quando começavam a olhar para cima, e a orar Àquele a quem chamavam de ‘Pai, nosso Pai’, meu coração se derretia em lágrimas de gozo; e sei, por certo, que havia um coração divino nos céus que se regozijava também”.
Contudo, como em Tana, Paton considerava-se imortal até completar a obra que lhe fora designada por Deus. Inúmeras vezes evitou a morte agarrando a arma levantada pelos selvagens contra ele, a fim de o matarem. Tempos depois, a força das trevas unidas contra o Evangelho em Aniwa cedeu. Isso data do tempo em que cavou um poço na ilha. Para os indígenas, a água de coco, para satisfazer a sede, era suficiente, porque se banhavam no mar e usavam pouco a água para cozinhar – e nenhuma para lavar a roupa! Mas para os missionários, a falta de água doce era o maior sacrifício. Por isso Paton resolveu cavar um poço.
No inicio os indígenas o auxiliaram na obra, apesar de considerarem o plano “do Deus de Missi dar chuva de baixo” uma concepção nada lúcida. Mas depois, amedrontados pela profundeza da cavidade, deixaram o missionário a cavar sozinho, dia após dia, enquanto o contemplavam de longe, dizendo uns aos outros: “Quem jamais ouviu falar em chuva que vem debaixo?! Pobre Missi! Coitado!” Quando o missionário insistia em dizer que o abastecimento de água em muitos países vinha de poços, eles respondiam: “É assim que se dá com os doidos; ninguém pode desviá-los de suas idéias loucas”.
Depois de longos dias de labor enfadonho Paton alcançou terra úmida. Confiava em Deus para obter água doce, em resposta às suas orações. Contudo, nessa altura, ao meditar sobre o efeito que causaria entre o povo o fato de encontrar água salgada, sentia-se quase que tomado de horror. “Sentia-me”, escreveu ele, “tão comovido que fiquei molhado de suor e tremia-me todo o corpo, quando a água começou a borbulhar debaixo e a encher o poço. Tomei um pouco de água na mão, levei-a à boca para prová-la. Era água! Era água potável! Era água viva do poço de Jeová!”
Os chefes indígenas, com seus homens, a tudo assistiam. Era uma repetição, em escala reduzida, do episodio em que os israelitas rodearam Moisés quando ele fez água sair da rocha. O missionário, depois de passar algum tempo louvando a Deus, ficou mais calmo, desceu novamente, encheu um jarro da “chuva que Deus Jeová lhe dava pelo poço” e entregou-o ao chefe. Este sacudiu o jarro para ver se realmente havia água dentro; então tomou um pouco na mão e, não satisfeito com isso, levou à boca um pouco mais. Depois de revolver os olhos de alegria, bebeu-a e rompeu em gritos: “Chuva! Chuva! É chuva mesmo! Mas como a arranjou?” Paton respondeu? “Foi Jeová, meu Deus, quem a deu da sua terra, em resposta ao nosso labor e orações. Olhai e vede por vós mesmos como borbulha a terra!”
Não havia um homem entre eles que tivesse coragem de chegar perto da boca do poço. Então formaram uma fila comprida e, segurando-se uns aos outros pelas mãos, avançaram até que o homem da frente pudesse olhar para dentro do poço. A seguir, o que tinha olhado passava para a retaguarda, deixando o segundo olhar para a “chuva de Jeová, mui embaixo”.
Depois de todos olharem, um por um, o chefe dirigiu-se a Paton e disse: “Missi, a obra de seu Deus Jeová é admirável, é maravilhosa! Nenhum dos deuses de Aniwa jamais nos abençoou tão maravilhosamente. Mas, Missi, Ele continuará para sempre a dar chuva por essa forma ou acontecerá como a chuva das nuvens?” O missionário explicou, para gozo indizível de todos, que essa benção era permanente e para todos os aniwanianos.
Durante os anos que se seguiram, os nativos experimentaram cavar poços em seis ou sete dos lugares mais prováveis, perto de várias vilas. Todas as vezes que o fizeram, ou encontraram pederneira ou o poço dava água salgada. Diziam entre si: “Sabemos cavar, mas não sabemos orar como o Missi e, portanto, Jeová não nos dá chuva debaixo!”
Num domingo, depois que Paton alcançou água do poço, o chefe Namakei convocou o povo da ilha. Fazendo seus gestos com a machadinha na mão, dirigiu-se aos ouvintes da seguinte maneira:
“Amigos de Namakei, todos os poderes do mundo não podiam obrigar-nos a crer que fosse possível receber chuva das entranhas da terra, se não a tivéssemos visto com os próprios olhos e provado com a boca... Desde já, meu povo, deve adorar ao Deus que nos abriu o poço e nos dá chuva debaixo. Os deuses de Aniwa não pode socorrer-nos como o Deus de Missi. Para todo o sempre sou um seguidor de Deus Jeová. Todos vós que quiserdes fazer o mesmo, tomai os ídolos de Aniwa, os deuses que nossos pais temiam, e lançai-os aos pés de Missi... Vamos a Missi para ele nos ensinar como devemos servir a Jeová... que enviou seu Filho Jesus para morrer por nós e nos levar aos céus”.
Durante os dias que se seguiram, grupo após grupo dos silvícolas, alguns com lágrimas e soluços, outros aos gritos de louvor a Jeová, levaram seus ídolos de pau e pedra perante o missionário. Reunidos em montes, os ídolos de pau foram queimados, os de pedra enterrados em covas de quatro a cinco metros de profundidade e alguns, de maior superstição, foram lançados no fundo do mar, longe da terra.
Um dos primeiros passos da vida cotidiana da ilha, depois da destruição dos ídolos, foi a invocação da benção do Senhor às refeições. O segundo passo – uma surpresa maior e que também encheu o missionário de gozo – foi um acordo entre eles de fazer culto domestico de manhã e à noite. Sem duvida, esses cultos eram misturados, por algum tempo, com muitas das superstições do paganismo. Mas Paton traduziu as Escrituras, imprimiu-as na língua aniwaniana e ensinou o povo a lê-las.
A transformação do povo da ilha foi uma das maravilhas dos tempos modernos. Como arde o coração ao ler acerca da ternura que o missionário sentia para com esses amados filhos na fé, e do carinho com que esses, outrora cruéis selvagens que comiam carne humana, mostravam para com o missionário!
Que o nosso coração arda também para ver a mesma transformação dos milhares de indígenas no interior de nosso querido Brasil!
Paton descreveu a primeira Ceia do Senhor com as seguintes palavras:
“Ao colocar o pão e o vinho nas mãos, outrora manchadas do sangue da antropofagia, agora estendidas para receber e participar dos emblemas do amor do Redentor, antecipei o gozo da glória até o ponto de o coração não suportar mais. É-me impossível experimentar delicia maior antes de eu poder fitar o rosto glorificado do próprio Senhor Jesus Cristo!”
Deus não somente concedeu ao nosso herói o indizível gozo de ver os aniwanianos evangelizando as ilhas vizinhas, mas também de ver seu próprio filho, Frank Paton, e esposa, morando na ilha de Tana e dando prosseguimento à obra que ele começara com o maior sacrifício. Foi com a idade de 83 anos que João G. Paton ouviu a voz de seu precioso Jesus chamando-o para o lar eterno. Quão grande o seu gozo, não somente ao reunir-se aos seus queridos filhos da ilhas do sul do Pacífico que entraram no céu antes dele, mas, também, saudar com um “bem-vindo” os demais quando chegarem ali, um por um!
Fonte: Livro Heróis da Fé / p. 151-163
Autor: Orlando Boyer / Editora: CPAD
Imagem retirada do site www.wholesomewords.org
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